Ter um desempenho ótimo ou perto do ótimo, ser capaz de executar um serviço com dedicação, garantir a funcionalidade de um produto. Todas essas descrições poderiam ser utilizadas para dizer de “qualidade” nos tempos atuais. Todavia, seria isso, de fato, o que melhor poderia caracterizar o que é qualidade? Afinal de contas, parece que qualidade tem se transformado num selo ou mesmo num conjunto de procedimentos a ser tomado para garantir certo objetivo, como por exemplo no Sistema 5 S, suposta garantia de Qualidade Total no Brasil. Em suma, qualidade se aliou – ou a fizeram se aliar – a uma pretensa garantia das coisas, do bom funcionamento ou da boa procedência.
Qualitas, originalmente, se refere à essência, àquilo que nos permite distinguir uma coisa da outra. Qual a qualidade de uma palmeira que faz dela diferente da macieira? O que é genuíno da palmeira e da macieira? Quando adentramos nesse campo, percebemos que a noção atual de qualidade, uma noção que garante o produto final, distorce a exatidão da proposta inicial porque qualidade se refere a uma certeza inicial, o que faz da macieira uma macieira não é a maçã final que ela produz, mas sua distinta qualidade que a capacita a produzir suas maçãs.
Também assim conosco. Qual é a nossa qualidade? Não devemos observar através tão somente dos produtos finais que produzimos, do resultado último. No caso da macieira, é claro que quando ela produz sua maçã temos certeza de que ela, de fato, é uma macieira, entendemos que ela atingiu seu propósito, mas ainda que nunca produza maçãs nós não deixaremos de chamá-la de macieira.
Qualidade portanto é ponto de partida, é origem. As perguntas da qualidade, de quem tem a pretensão de fazer um serviço de qualidade, são, portanto, “qual é a minha qualidade?”, o que me distingue? O que é meu?
Nós nos fizemos essas perguntas, mesmo porque Qualidade está lá estampado em nossos Valores.
Entendendo, portanto, que falar de qualidade é falar de genuíno, do que é próprio, desenhamos um percurso para encontrar o que nos é próprio. Olhamos, naturalmente, para o que fizemos, para o que fazemos, para o que encontramos. Mas nos voltamos também aos desejos, propostas e ao que costuma estar presente para nós. Diante dessa “análise”, encontramos em nós uma tendência muito particular de responder. Ou seja, diante do impacto com a realidade nos vemos impelidos, particular e diferenciadamente, a dar uma resposta, a nos mover. A pesquisar entre tantas opções, entre cores diferentes, qual a que melhor pinta nosso entorno. E mais!, desejamos responder de maneira propositiva, portar uma proposta, que não precisa ser uma solução mas que seja uma proposta, de construção, discussão, descarrilamento, e outras tantas.
Tal Qualidade, responsivo-propositiva, exige de nós uma postura atenta aos acontecimentos, à realidade, de maneira tal a estarmos afiados e capazes de responder e ter espaço para criação, para proposição. É um desafio nem sempre logrado com o máximo de êxito. Sempre há espaço para um desempenho maior, melhor, mais atento. Todavia, ainda que haja um esmorecimento passageiro do ânimo, este não se incorpora à nossa natureza, à nossa qualidade, pois esta se apresenta mesmo no cansaço e nos faz buscar o caminho possível, mas sempre o caminho particular, o caminho reto do que somos.
Existem alguns contextos que nos auxiliam a manter uma condição mais atenta e afiada em prol de uma postura responsivo-propositiva. Tais contextos acabam por exaltar “necessidades” que possuímos, necessidades que não dizem de limitações, impedimentos, como se fossem algo fundamental para sustentar nossa postura basilar, mas sim necessidades que emergem como exigências. São reflexos de nossa natureza e funcionam como metas, balizas para nossa verdadeira expressão. Assim, gostaríamos de destacar tais “necessidades”, a fim de firmar pauta apropriada quando falamos de Qualidade.
A primeira necessidade que vemos é a de ter espaço para sonhar. Nossa vida circunda em torno dos nossos sonhos, sejam eles reais ou irreais. Cabe-nos calibrar a realidade, a razoabilidade de cada sonho. O sonho nos nutre muito mais do que por vezes acreditamos ser ele capaz. O sonho nos liberta e ativa em nós a criatividade, desperta em nós faíscas internas e nos sustenta nas intempéries. Ajuda a acalorar a voz que queremos deixar no mundo.
O sonho se conjunta com a liberdade, com a disponibilidade. Numa sociedade em que o tempo é altamente controlado, a liberdade é vista como um prêmio máximo de preço intolerável. É necessário se posicionar contra a dinâmica do tempo regrado. Sonho e liberdade: ocasião de criatividade. Quando o sonho encontra as mãos da liberdade, do espaço para expressão, a criatividade, a natureza criativa do ser acaba por se expressar, já que em geral a atividade do sonho é barrada a priori em contextos mais diversos. A criatividade é o resultado do arejar do sonho, de um sonho que flui e a fluência decorre da liberdade não do domínio de todos os elementos, mas do elenco livre das peças que se tem.
Com o espaço de sua expressão, o sonho motiva a criatividade e a criatividade acaba por re-configurar a noção de beleza. A beleza é o susto, o torpor. Falaremos mais dela daqui um tempo. Mas aqui, destacamos como a atividade de criar é algo original e belo por si mesmo. A criação renova a disposição da beleza. Às vezes de maneira desafiadora, mas sempre bela posto que o belo não é o encantamento dos olhos fugazes, mas o encantamento da estrutura interna e intrínseca, um encantamento noturno da alma, que como orvalho sobrevive aos primeiros raios do amanhecer e pacifica o despertar. A beleza é também uma unidade fundamental para manter acesa em nós a prática de nossa voz própria.
Em síntese, Qualidade é o exercício expressivo de nossa natureza genuína. É, num tempo só, característica anterior e final, aquilo que nos deixa ser e mostra quem somos. Alia-se a várias outras condições, é quase um apelo que fazemos para ser em nossa plenitude. Qualidade é uma virtude e é acima de tudo um bem por demais precioso para se converter num conjunto de padrões rígidos. Qualidade é voz que se firma, se afirma. E para nós, é voz que propõe, cultiva e surpreende.