Requintes trôpegos da Avaliação Psicológica nas organizações

A Avaliação Psicológica é uma das principais atividades do psicólogo, sobretudo por ser uma modalidade de trabalho exclusiva deste profissional, resguardada em lei. Reiteradamente pontuamos a necessidade de se ter atenção para com esse campo nada simplório [Avaliação Psicológica, A relevância do Diagnóstico]. Sabemos que nos atendimentos clínicos é fácil perceber a necessidade e relevância da Avaliação Psicológica. Mesmo profissionais de áreas diversas, vez ou outra, se deparam com aspectos psicológicos que carecem de uma apreciação formal por parte de um psicólogo. A Avaliação vem então como um método útil e saudável de assistência, tanto para o paciente, quanto para o profissional ou ainda para a equipe.

Existe um contexto, no entanto, que ainda apresenta dificuldades inúmeras para a aplicação correta e bem aproveitada da Avaliação Psicológica. É o caso das organizações, que muitas vezes requerem uma avaliação psicológica sem entender o propósito real desta atividade e, infelizmente, sem ter condições de aproveitar todo o produto gerado por esse processo. Para explorar o tema, vamos descrever duas posturas comuns e desafiadoras, que aglutinam pensamentos gerais sobre a Avaliação Psicológica. Não são as únicas, mas volta e mais nos deparamos com as mesmas, seja diretamente, seja mesmo por meio de relatos de terceiros.

Gem - Retirada de scx.hu - Usuário jc 2086

A primeira postura vê a Avaliação Psicológica como um luxo. Algo muito “chique” de se ter. Pelo detalhamento e complexidade, a organização tende a perceber que a Avaliação agrega valor ao próprio processo seletivo e/ou de tomada de decisão. Mais do que obter um parecer acerca dos aspectos psicológicos dos candidatos ou dos funcionários, e utilizar tal conhecimento para a tomada de decisão, o que parece importar é ter esse processo dentro do rol de etapas para se entrar na organização ou permanecer na mesma. De certa maneira, há um desvirtuamento do propósito e a Avaliação Psicológica perde muito de sua força. É sim muito lamentável que isso ocorra.

A outra postura diz respeito à percepção de que a Avaliação Psicológica é uma atividade mística que vai desvelar por completo o sujeito, dizendo quem ele é realmente, suas fraquezas e mentiras. Essa é uma postura um pouco mais preocupante, pois ao invés de querer construir um conhecimento a ser aproveitado, o que se quer identificar são fraquezas e limitações por parte de candidatos e/ou funcionários. É sim uma postura mais desrespeitosa, mas reflete, tal qual a primeira, uma profunda ingenuidade. E novamente, resta-nos lamentar.

Em geral, a postura mística acredita que é possível desvelar por completo o sujeito. Isso, felizmente, não pode ser feito. Não é possível acessar inteiramente alguém, pela natureza humana de inesgotabilidade. Esse fator não é uma limitação do ser humano e muito menos da Avaliação Psicológica. É um mérito louvável. Até porque pensar apenas nas fraquezas e limitações revela uma preocupação maior no controle do que na potencialidade para se exercer a atividade.

Orb of Light - Retirada de sxc.hu - Usuário gnmills

Como luxo ou mística, é fácil descartar a Avaliação Psicológica com programas de redução de custo e etc. E aí, mais uma vez perde-se a potencialidade legítima desse processo. Decerto não é fácil lidar com as expectativas de candidatos, empresas e outros atores que estão presentes ao utilizarmos uma avaliação psicológica no contexto organizacional.

Voltamos a dizer que essas posturas não ocorrem sempre, não refletem a totalidade das empresas. As apresentamos exacerbando suas peculiaridades, mas existem sutilezas. Ademais, reforçarmos que temos observado uma evolução maior acerca da utilização da Avaliação Psicológica dentro das empresas.

E é ainda mais importante a se ressaltar: se há um desconhecimento por parte dos gestores/administradores acerca dos propósitos da Avaliação, compete a nós, psicólogos, esclarecê-los. Não podemos exigir de alguém de outra área a compreensão precisa de temas tão particulares. As duas posturas refletem desconhecimento e despreparo para lidar com a complexidade própria do ser humano. São posturas que podem e precisam ser orientadas.

Storm warning - Retirada de sxc.hu - Usuário kablu

É preciso ter em mente que uma Avaliação Psicológica no contexto organizacional não é o mesmo que um psicodiagnóstico clínico. A Avaliação é sempre feita tendo-se em mente um perfil, do qual são desdobrados e extraídos os aspectos psicológicos necessários para o cargo ou para a evolução do funcionário na empresa. Naturalmente são identificados aspectos fora do perfil, alguns que precisam de atenção clínica, mas esse não é o propósito da avaliação. A Avaliação Psicológica tem por pretensão e mérito observar o funcionamento psíquico dos candidatos, identificar suas potencialidades, suas competências, aspectos que podem ser desenvolvidos posteriormente. E há que se pensar sempre nas condições da própria organização, pois a pessoa reage de acordo com o ambiente que dispõe, ou seja, não depende apenas do candidato, mas do contexto da organização. O avaliador precisa ter isso em mente, saber observar e enfocar os aspectos para o percurso realmente necessário àquele contexto.

Muito além do luxo ou da mística de uma bola de cristal, a Avaliação Psicológica é um procedimento científico que exige dedicação, atenção e cuidado. Tudo isso é que verdadeiramente concorre para uma Avaliação Psicológica de valor, ou seja, que possui um apreço legítimo, vindouro da capacidade de apreciar a beleza do fenômeno humano.