Existem instantes únicos na nossa vida em que somos indagados pela vida. Às vezes essa indagação vem suave como uma brisa desse outono que se despede, mas noutras ocasiões surge como uma torrente típica de verão. Na estação ou com a força que tiver, o fato é que essa indagação incomoda. Desperta em nós um clamor. Já sabíamos do que está sendo perguntado? Essa pergunta é particular? Estava adormecida? Essas são perguntas que surgem conjuntamente, mas que têm uma relevância menor diante de uma necessidade muito maior, a necessidade de dar uma resposta àquela indagação.
Qual é o grande ponto desse tipo de indagação? Qual é sua qualidade mais legítima? É o fato de que ela não surge como uma pergunta meramente produto de um contínuo de reflexões que nós fazemos. Ela é arrebatadora. É produto de um acontecimento, algo que veio e se chocou conosco. Um sonho, um encontro, uma dor, um sorriso, uma perda, um amigo, um amor… Qualquer coisa. A realidade inteira está, de fato, bem a nossa frente para ser vista. Isso não é filosofia, embora nem sempre pareça tão óbvio.
O mérito da indagação abrupta é que ela nos faz ver. Ela de repente reposicionou nossos olhos numa direção esquecida ou desconhecida ou a mesma direção, com tempero diferente. Diante dessa indagação, temos a fantástica chance de reconhecer que a vida espera algo de nós, uma resposta. E em geral, a força é tamanha que não basta responder com uma palavra, mas com uma atitude, com um ato, que vai deixar sua marca, do tamanho que tiver que ser, aquela marca responde a uma indagação que surgiu.
No entanto, muitas vezes surge em nós uma pequena armadilha diante de tal indagação. Muitas vezes essa pergunta-expressão-de-desejo ou pergunta-expressão-de-ação nos desloca, mas nós forçamos a recolocação dos pingos nos mesmos is. No calor daquele ato que não pode ficar para depois, no calor da batalha, pedimos tempo para tomar um banho. Para refrescar.
Ora, é nesse instante que temos a sensação de que a vida escorreu para fora de nossas mãos. A indagação exige uma resposta, um “sim” ou um “não”, pra tudo há uma decisão, uma postura a ser tomada. Não se pode dizer “sim” para tudo, bem como o “não” fecha muitos frescores. Ainda que se diga “não” diante da necessidade do “sim” ou que se afirme precisando negar, essa resposta reflete uma decisão. A qualidade da decisão se refletirá no futuro e o melhor, já tendo respondido, teremos a chance de responder de novo. E para cada instante de pergunta, há um instante novo de resposta. A resposta é particular, ainda que a pergunta seja geral.
O ponto em que nos perdemos diante da indagação é quando dizemos “talvez”. É quando não respondemos. É quando pedimos o refresco, deslocamos a força que brotou. Enterramo-la num jardim pacífico, bucólico, lânguido. E lá a força se torna passiva de um “talvez”, um nem lá, nem cá. E a força se transforma, vira mesmo forma. É uma quase-resposta, uma quase-ação, uma quase-decisão. Não nos enganemos, uma quase-resposta, não é uma resposta. Não é ação, não é decisão. É o nada, é o vazio.
O “talvez” é uma armadilha. Porque é o tentar deixar a porta entreaberta, é iluminar parcialmente o que só poderia ser visto com a luz que vem de outro lado.
Mas como tudo nessa vida, o talvez não é eterno. É perigosamente arrastável, gosta de permanecer. Não é, contudo, final. Pode parecer muito difícil, mas sair do “talvez” é feito com um trabalho e com mãos. Muitas mãos, às vezes. Pois precisamos de mãos próximas, preocupadas, aquecidas a nos lembrar do calor da batalha e da resposta. São as mãos amigas, de nossas companhias. Aquelas pessoas que andam conosco, às vezes andam perto morando longe, ficam presentes mesmo já tendo falecido.
São pessoas que responderam, nalgum instante da vida que partilhamos, ao calor da batalha. Disseram-nos “sim”, disseram “não”. De alguma parte deixaram uma marca em nós e na vida. Com essas pessoas, temos a chance de sair do “talvez” e fazer indagação virar fruto em árvore alta.