Se você perguntar às pessoas se elas acham que a memória delas está boa vai se deparar com uma vasta maioria dizendo que não. Queixas de memória são das mais comuns, e acabam deixando todo mundo preocupado. Até porque não é só a queixa em si, há as consequências dos esquecimentos: atrasos, multas, e até brigas, com datas esquecidas e compromissos perdidos.
Temos no nosso funcionamento cognitivo diversas funções mentais, entre elas lá está a ilustre – e atualmente também mal falada – memória. O porém é que nosso funcionamento mental não é compartimentado, de maneira que muitas vezes a queixa de memória reflete outras dificuldades. Um exemplo simples que ajuda a entender é pensar na função Atenção. “Atenção” e “Memória” são funções diferentes, uma coisa é “focar, prestar atenção” outra é “recordar, lembrar”. Porém é praticamente impossível se recordar de alguma informação se ela não recebeu a devida atenção. Sem que o foco atencional seja dirigido para um conteúdo, ela não terá o devido processamento e consequentemente o armazenamento fica prejudicado. Daí o que acontece? Há uma queixa óbvia de memória, mas quando analisamos de perto, encontramos lá o problema lá na Atenção.
Esse funcionamento altamente interligado das nossas funções mentais é muito importante. Nossos processos precisam acontecer simultaneamente e, principalmente, influenciar um ao outro para garantir que consigamos dar conta de todas as nossas atividades, sobretudo em um mundo muito dinâmico. Imaginemos se primeiro tivéssemos que prestar atenção nas informações, para daí selecionar qual é útil, finalmente iniciar o processamento e, por fim!, armazenar. É praticamente impossível! Os processos precisam ser contíguos e paralelos porque lidamos cotidianamente com um volume imenso de informações e uma pode ter uma importante repercussão com a outra. Afinal, imagine se você começasse a estudar o conteúdo A para uma prova e alguém te dissesse que ele não seria cobrado, e sim o conteúdo B. Se essa informação não fosse prontamente integrada, e você pudesse reajustar seu funcionamento, você acabaria por dizer: “agora já comecei a memorizar, vou memorizar o A e esperar meu foco atencional liberar para depois ir para o B”. Porém, tudo tem limite.
Essa capacidade para lidar com informações simultâneas não dá conta de tudo, e muitas pessoas tendem – ou são forçadas – a frequentemente ultrapassar esse limite. O cansaço é um dos piores vilões da nossa memória, e muitas vezes com uma noite de sono bem dormida, ou umas férias merecidas, muito de nossa capacidade é restabelecida.
Entretanto, às vezes o cansaço é crônico, levando a um quadro permanente de cansaço e reatividade, é o estresse, um sinal claro de que o excesso de informações está nos colocando cada vez mais perto do nosso limite. Temos muitas coisas para prestar atenção, e inevitavelmente tomamos inúmeras decisões sobre o que vale a pena processar e armazenar, enquanto planejamos o dia a dia, e vamos aprendendo novos conteúdos, e cumprir com prazos apertados e aquilo e aquele outro e… é um ciclo perigoso, com cara de não ter mesmo fim. Tudo isso é potencialmente lesivo à Memória e a outras funções mentais. O estilo de vida tem um impacto na maneira como mantemos nosso funcionamento cognitivo.
Do ponto de vista mais técnico, quando falamos em Memória estamos nos referindo a diversos processos complexos. Ao receber uma informação – depois de direcionar seu foco atencional para ela – é necessário Decodificar essa informação, que é transformar a informação em linguagem adequada para ser armazenada. Depois vem o processo de Armazenagem, que é propriamente distribuir e alocar a informação no seu local. Tudo isso é importante para que a informação seja alocada em nosso cérebro, porém, de nada vale sem a devida capacidade de Recuperação, que é encontra-la e evoca-la. Portanto, um exame da Memória precisa ser capaz de verificar tais estágios, a fim de averiguar se há algum dano da memória e se ele está localizado em um dos subprocessos. Os exames neuropsicológicos buscam avaliar essas etapas – assim como as outras funções mentais – entretanto, nem sempre é possível determinar com exatidão se há algum defeito, em virtude da complexidade inerente aos processos humanos. Talvez, num futuro próximo, com novas tecnologias fiquemos mais próximos de ter respostas ainda mais acuradas.
Como se não bastasse os processos comportados pela Memória, tem-se também diferentes tipos de Memória. Apenas para citar, tem-se Memória de Longo Prazo, que é aquela memória mais duradoura, das informações armazenadas por um período maior de tempo, além da Memória de Trabalho ou Memória Operacional, que é aquela que permite com que tenhamos uma informação em mente por um período de tempo e possamos manipular essa informação. E essas memórias se subdividem ainda mais! Em Implícita X Explícita, Auditiva-verbal X Visual, Procedural, Episódica, Semântica ou do tipo Priming. Aqui já entramos num campo muito específico e técnico, mas vale notar que cada uma dessas variações de memória precisa também ser considerada em um exame formal.
Já deu para notar que um problema de memória não é apenas um problema de memória! É preciso se estabelecer se de fato a função prejudicada é a memória, qual é a natureza desse prejuízo, qual tipo de memória está afetado e se isso ocorre em um processo específico. Nessa busca toda, é interessante – mas nem sempre possível – tentar determinar a causa dessa alteração de memória. Processos demenciais [como por exemplo o Alzheimer] têm sabidamente efeitos deletérios sobre a memória. Mas não são as únicas opções, mesmo porque só um déficit de memória não é suficiente para se pensar em demência. Outras condições precisam ser investigadas, como condições clínicas simples – como a própria alimentação, algumas deficiências podem prejudicar a memória. Além disso, alterações do estado afetivo, como depressão, ansiedade ou mania [exaltação do humor] trazem consequências significativas para nosso funcionamento cognitivo, rebaixando. Doenças das mais diversas podem afetar nossa memória, porque afetam todo o sistema operacional. Uma inflamação – por exemplo, uma gripe – pode causar um rebaixamento de como processamos informações – vai dizer que não fica mais difícil estudar e entender direito quando se está gripado? E lembrar das informações fica mais difícil, não é?
Em síntese, está sentindo queixas de memória? A dica é verificar como anda sua rotina, seu nível de cansaço, estresse. Buscar aliviar isso já pode ser um bom início. Persistindo sua percepção, a regra é clara: procurar auxílio profissional, lembrando que dependendo do que for, alguns profissionais serão consultados, como médicos, nutricionistas, psicólogos. E se precisar de um psicólogo, conte com a FRACTAL Núcleo de Avaliação Psicológica!