Um número cada vez crescente de pessoas tem chegado ao consultório com uma queixa parecida: minha memória não é mais a mesma depois da Covid. Quando não a queixa não é de “memória”, é algo relacionado à capacidade de focar ou ao rendimento no trabalho e por aí vai. E, infelizmente, várias disfunções são identificadas.
A esse conjunto de sintomas se convencionou definir como “Covid Longa”, pois refletem os efeitos e mecanismos persistentes do quadro de Covid-19. Às queixas cognitivas se somam outras tantas, como cansaço e fadiga persistentes, dor de cabeça e, até mesmo, falta de ar.
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Os efeitos da Covid Longa são sim preocupantes, pois afetam uma grande parcela daqueles que foram infectados. Interessante notar que algumas pessoas que chegam ao consultório tiveram sintomas leves quando infectadas, e algumas tiveram o diagnóstico de Covid de maneira incidental, ou seja, descobriram por acaso que tinham a doença.
Em agosto de 2021, a prestigiosa revista Nature publicou uma metanálise¹ que traz um dado alarmante: cerca de 80% dos pacientes que tiveram Covid-19 apresentaram algum sintoma longo. Como se isso não bastasse, foram identificados 50 sintomas de Covid Longa.
Dentro os 50, os cinco mais comuns identificados no estudo foram fadiga [em 58% das pessoas], dor de cabeça [44%], déficit atenção [27%], alopecia [queda de cabelo] [25%] e dispneia [24%]. Naturalmente, ainda não está claro por quanto tempo esses sintomas podem durar, mas de toda forma procede a necessidade de cuidado. Por isso mesmo, por mais “branda” que uma condição possa parecer – como inadvertidamente se tem ventilado com a variante Ômicron – não se descarta a possibilidade de efeitos em longo prazo, lembrando que esses efeitos esses podem ser cognitivos.
Além do déficit de atenção, outras queixas neuropsiquiátricas têm frequência importante para a prática clínica. Dentre os estudos investigados na metanálise, alterações de memória foram identificadas em 16% dos pacientes com Covid Longa, assim como ansiedade (em 13%), depressão (12%) e distúrbios do sono (11%). Vale anotar que os sintomas não são exclusivistas, ou seja, uma pessoa pode ter um distúrbio do sono associado a depressão ou ansiedade, e todo esse caldo de alterações acentua o prejuízo para o paciente.
A importância de reconhecer os sintomas cognitivos é indiscutível. Falhas atencionais ou de memória geram problemas muito evidentes para as pessoas, que acabam deixando tarefas incompletas, não conseguem manter o rendimento de antes da infecção, e se tornam menos confiantes nas suas próprias capacidades. Tudo isso somado a uma grande pressão psicológica de medo e ansiedade, que são respostas naturais ao isolamento social e à incerteza perene que temos diante da situação atual.
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Individualmente, a identificação sistemática dos déficits permite que a pessoa tenha maior clareza de suas dificuldades e limitações atuais. Com isso, estratégias cognitivo-comportamentais e técnicas de manejo de saúde mental podem ser implementadas.
Coletivamente, o reconhecimento de que queixas cognitivas e psiquiátricas são reais, e não mera “invencionice”, cria uma rede de cuidado muito importante. Empresas, amigos e familiares precisam estar cientes de que a pessoa que teve Covid-19 pode não ter a infecção ativa na atualidade, mas permanecer com efeitos em longo prazo, o que vai exigir adaptação e cuidado.
Nenhuma pessoa, e nenhuma sociedade, perde nada ao adotar o zelo para com o próximo como base para sua conduta. Pelo contrário, quanto mais cuidadosos e cientes das necessidades dos que estão à nossa volta, mais podemos cultivar os importantes laços que temos ao nosso redor. A pandemia nos mostrou que não existe cuidado individual que não impacto no coletivo, e que a sociedade como um todo pode zelar por cada indivíduo. Por isso, nos cuidemos!
Luciano Mariano
Psicólogo – CRP 04/34.415
Especialista e Mestre em Neurociências
Fundador e Coordenador da FRACTAL Núcleo de Avaliação Psicológica
NOTAS:
1: Metanálise é uma técnica estatística que permite combinar resultados de diferentes estudos, aumentando assim o grau de confiança nos resultados – Leia mais aqui.