Acompanhar uma pessoa [em processo psicoterapêutico, na avaliação psicológica ou na vida] requer do acompanhante uma disposição e abertura para conhecer e reconhecer o outro em seus mais diversos aspectos, nos mais variados contextos. Pensando bem, em maior ou menor escala, tal disposição é fundamental para qualquer tipo de relacionamento, mas deixemos isso para outra conversa.
Na medida em que uma pessoa se dispõe a entrar em um relacionamento de verdade com alguém, está pressuposta a necessidade de abertura para todas as experiências que possam nascer daquele encontro.
Aqui cabe um parêntese muito importante: Estar aberto às experiências não equivale a aceita-las passivamente e sem qualquer juízo. Pelo contrário, implica necessariamente num posicionamento e num juízo. Isto é, a franca abertura ao encontro conduz à possibilidade de se posicionar, de cuidar daquilo que de fato importa no relacionamento. E isso inclui o concordar mas também o discordar, o aceitar e o”rejeitar”.
Na prática psicológica isso se torna profundamente necessário. Se o psicólogo não se dispõe ao encontro com seus pacientes/clientes com abertura é quase certo que perderá aspectos importantes e essenciais da pessoa que está logo ali, na sua frente. Consequentemente, terá dificuldades para auxiliá-la.
Sem abertura para um encontro real e sincero, o psicoterapeuta incorre no perigo de fazer interpretações aleatórias e sem nenhum sentido, que podem ferir a pessoa que acompanha. Sem abertura para o outro, e para acolher aquilo que emerge na relação, ficamos apenas com as interpretações aleatórias de palavras, de frases, de sonhos, de comportamentos, de técnicas e de testes. Observemos que o problema não se encontra na interpretação em si, mas em uma interpretação desconectada, desligada da pessoa real. Interpretações assim ferem e violam a dignidade da pessoa, pois desconsideram a particularidade, a pessoalidade de cada um.
Por este motivo, é imprescindível que o psicólogo esteja ciente de que um paciente/cliente com qualquer sofrimento psicológico, seja ele catalogado, como a depressão, ou o sofrimento pelas duras penas da vida, jamais será igual à outro paciente/cliente com depressão ou que esteja enfrentando as duras penas da vida. Embora haja sintomas e queixas muito semelhantes, cada pessoa tem um modo singular de lidar com a dor que carrega dentro de si.
Tal disposição e abertura são fundamentais para a atuação do psicólogo, qualquer que seja a sua abordagem. Para que interpretações, diagnósticos e intervenções sejam eficazes é preciso carregar essa disponibilidade para o encontro, que é permeada pelo cuidado e pelo desejo sincero de contribuir para melhorar a qualidade de vida [física, emocional e psíquica] do paciente/cliente. Esta postura, embora seja parte da estrutura humana, deixou de ser algo cultivado e natural no convívio com o outro na medida em nossa sociedade passou a se preocupar mais necessidades individuais e, naturalmente, a colocar apenas a vontade de cada um em evidência, sem conectar isso ao próximo.
Portanto, para sustentar essa posição de abertura é necessário se colocar em um exercício de observação constante do que emerge no relacionamento com o paciente/cliente.
Acompanhar uma pessoa é uma tarefa difícil e, por vezes, cansativa, mas é uma das atividades mais nobres e relevantes que temos. Todos desejam ter sua singularidade levada em consideração, mas sustentar esse cuidado no relacionamento com o outro parece que virou tarefa para poucos.