Acesse a primeira parte deste texto: Uma laboriosa espera – Parte 1
“Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora com vida e voz que não são humanas, mas que podemos aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério.”
[Cecília Meireles, Escolha seu sonho, p. 35]
O que Cecília Meireles aborda de modo simples e muito bonito é que a realidade com a qual nos relacionamos é sempre uma realidade misteriosa. Não achamos que é um mistério místico, oculto! Não mesmo, mas sim, um mistério porque não sabemos o que está por acontecer, mas que ainda assim traz junto um convite para que conheçamos este porvir.
Mas, por mais que nos dediquemos na compreensão da realidade temos que reconhecer que jamais esgotaremos as possibilidades de conhecimento, porque tudo sempre se renova. É justamente essa característica inesgotável e misteriosa, que nos atrai e nos provoca na realidade. Ficar atento significa ficar esperando o que está para acontecer e ao mesmo tempo entender que esperamos por algo que está fora do nosso controle. É um desafio!
Cecília Meireles então continua nos ajudando:
É imprescindível que procuremos nos relacionar com a realidade tal qual ela se apresenta, ou seja, se tentarmos colocar a realidade, essa outra coisa, dentro dos nossos esquemas, acabamos por fazer com que o outro deixe de existir. Quando enquadramos – colocamos limitações – para poder entender e estar junto dessa realidade, já não lidamos com a realidade em si mesma, mas com imagens, preconceitos, desejos que formamos a respeito, sem nos abrir para o que acontece. Temos que sair, muitas vezes, da nossa mentalidade de sempre para encontrar o próximo e nos surpreender.
Se não nos ocupamos da vida, a própria vida desaparece! É importante dizer que o problema não se encontra nas idéias preconcebidas que formamos a respeito das coisas da vida. Mesmo porque, é a partir do valor do nosso mundo que temos condições de nos abrir para a realidade. O problema existe na medida em que colocamos estes preconceitos à frente do nosso relacionamento com o mundo. O nosso pré-conceito é um ponto de partida, mas jamais a única chave de leitura. Muitas vezes precisa ser rompido, pois a língua dali não pode ser entendida com aquele conhecimento velho.
Para esperar é fundamental verificar constantemente a realidade, observá-la atentamente, e daí colher os sinais que apontam o caminho ao qual devemos seguir, e então, nos empenharmos com todas as nossas forças naquilo que compreendemos ser o caminho de verdade para cada um de nós. Para esperar é preciso um empenho da nossa pessoa, um empenho pela atenção, pela compreensão. Esperar genuinamente exige que nosso eu se esforce nesta posição de confiança e entrega às evidências que a realidade apresenta. Esta postura de espera é exigente.
Construir o próprio caminho requer trabalho. É preciso olhar para o passado e reconhecê-lo como fundamento do que somos hoje e compreender que o presente é um processo de construção e reconstrução, por meio do relacionamento com a realidade, do que somos. Se desconsideramos o passado, não estabelecemos um presente vivo e potente que dá sentido às nossas ações. Mas, se nos colocarmos a caminhar conscientes do passado e do presente podemos tomar posição ante nosso próprio caminho.
Deste modo, o passado já não se torna uma prisão, mas emerge como oportunidade de rever o que já passou e escolher uma posição e uma resposta a nossa própria história. Às vezes, a resposta é a mesma, às vezes ela muda. Tudo depende da nossa compreensão.
O dilema do destino coloca em xeque a densidade do presente e a necessidade de retomar o passado. Escolher o futuro exige tempo. Exatamente isso: escolher o futuro exige tempo. Exige elaborar o passado e viver o presente intensamente. Construir um percurso exige respeito com o outro, com a realidade, com a vida. Exige uma espera. Porque é na medida em que respeitamos o curso da vida, que podemos “amar as coisas enquanto são, porque são” [Luigi Giussani, Em busca do rosto do homem, p. 46], e, então, podemos esperar.
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Referências:
Luigi Giussani[1996]. Em busca do rosto do homem. (D. Cordas & N. Oliveira, Trads.). São Paulo: Companhia das Letras.
Cecília Meireles [1964]. Da solidão. In: Escolha seu sonho. Rio de Janeiro: Editora Record, p.35-37.