A Organização das Nações Unidas [ONU] divulgou nesse Dia Internacional do Idoso [1º de outubro] informação acerca da progressão do envelhecimento no mundo. Em apenas uma década, a população de idosos no planeta ultrapassará a incrível marca de 1 bilhão de pessoas!
Certamente trata-se de um feito histórico, cuja conquista se deve aos avanços importantes na melhoria das condições de vida, o que permitiu um maior tempo de vida. A notícia de tal marca rodou o mundo por meio dos principais veículos de comunicação. O destaque, no entanto, não se deve tão somente ao número expressivo de cidadãos acerca de 60 anos, mas sim às condições disponibilizadas pela sociedade para uma vida saudável e justa para essas pessoas.
Um mundo que envelhece precisa pensar na maneira como disponibilizará para tal contingente populacional uma qualidade de vida. Já discutimos em outro post a relevância de se adicionar vida aos anos, ou seja, não basta acrescentar numerais a existência da pessoa, o que qualifica tal existência como vida depende de aspectos outros.
Do ponto de vista macroscópico, governamental e econômico, muito precisa ser feito. Precisamos pensar: a arquitetura urbana comporta pessoas idosas, com suas escadarias e precário calçamento? Temos condições de transporte adequadas para a terceira idade? Nosso sistema de saúde comporta as demandas específicas, e sempre urgentes, dessa população? Como irá a economia se comportar com um largo quadro de pessoas dentro da faixa de “aposentados”? Sabe-se que a ocupação profissional é um aspecto altamente relevante na vida de todo cidadão, é uma forma interessante de preservação física e mental. Como então re-dividir o trabalho, agora?
No entanto, as perguntas acima listadas evidenciam que estes pontos não são – ou ao menos não foram – até o momento objeto de preocupação de nossa sociedade. A pergunta que se faz é: por quê? Por que não foram ainda discutidas? E assim entramos numa discussão acerca do lugar do idoso no cotidiano urbano e moderno, local este que muitas vezes parece não comportá-lo.
A ausência de condições mínimas de locomoção segura nas cidades constitui-se como uma linguagem da nossa sociedade, linguagem essa que diz que o local do idoso não é ali. O mesmo vale para as pessoas com deficiência física e mental. Há uma gama de indicativos cotidianos e pequenos dizendo que aquele espaço não foi feito pensando-se nessas pessoas.
Agora, no entanto, em que tamanha parcela social estará nessa faixa, como poderemos manter essa exclusão? Há alguns meses foi feita uma pesquisa acerca dos amigos e inimigos da terceira idade. Encontrou-se que a profissão mais inimiga dos idosos são os motoristas de ônibus, impacientes e poucos preocupados com as necessidades específicas dos mais velhos. Ora, o direito de ir e vir é balizado na Constituição. Como fazê-lo valer então?
No nosso entendimento, é forçoso começarmos a analisar o lugar do mais velho dentro de nossa vida cotidiana. É na nossa família que temos condições de observar o lugar que dedicamos aos mais velhos e daí brota o cultivo, ou não, por um relacionamento respeitoso.
Muitas vezes os avós ou os próprios pais são relegados ao papel de coadjuvante na trama familiar. Não damos espaço para que suas histórias sejam contadas e os olhamos muito mais pelo que eles não dão conta de fazer do que por aquilo que poderiam fazer, ou mesmo tentar.
Tratar um idoso como uma criança é ofensivo única e simplesmente pelo fato de não se trata de uma criança. É uma pessoa cujo histórico de vida o trouxe até ali, com uma bagagem peculiar e um direito inalienável. Se não somos capazes de entender isso, fica notório o quanto ainda precisamos caminhar na compreensão do valor humano. Os mais velhos nos trouxeram até aqui. São a nossa história-viva.
Persistir na negligência com relação ao direito de nossos ancestrais é estapafúrdio. Não surpreende, mas assusta, reconhecermo-nos nos caricatos Simpsons, que possuem uma relação bastante ruim para com o Vovô Simpson, deixando-o plenamente relegado a um papel coadjuvante. As piadas dos episódios são boas, mas apenas refletem maneiras com as quais lidamos com nossos anciãos.
É justamente no microcosmo familiar e específico que se pode abrir o ambiente de conforto para que o próprio idoso se sinta confortável para ser, para se expressar. Não podemos ficar aguardando passivamente que o Estado construa uma política inclusiva. O movimento é o contrário, precisa partir das nossas ações pequenas para daí então se firmar como um passo grande. As relações familiares vão criando os fios necessários para fazer o tecido justo e cuidadoso. E assim cria-se um ambiente, cria-se um ethos, uma ética vivida que dá espaço para as relações saudáveis. Assim não é preciso internar o idoso porque ele “dá trabalho”, o trabalho faz parte. E as gerações diversas, crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, vão convivendo e cada qual se enriquece com a peculiaridade. Aliás, isso é sempre mais saudável e mais humano.
Caminhamos para um instante em que não se poderá negligenciar tal parcela populacional. Mas antes de chegar lá é pungente a necessidade de abrirmos espaço na nossa vida cotidiana e familiar para o mais velho. Há quem desconheça o avô ou a avó, ou mesmo os próprios pais. Quando temos a chance de ouvir um idoso, as histórias chegam a surpreender a todos e acima de tudo, são histórias parecidas com as que já nós mesmos contamos. Há muito que se incluir. Há muita história pra se contar e se ouvir. E sempre haverá. Porque de vida ninguém se farta.