“Abrindo os olhos para a realidade, tenho diante de mim algo que leva a uma abertura. O modo com que o real se me apresenta solicita uma outra coisa. O olhar para a realidade não causa em mim um resultado como sobre uma película fotográfica; não me “impressiona” com sua imagem e basta, mas me impressiona e me move. […] Diante do mar, da terra, do céu e de todas as coisas que neles se movem, eu não fico impassível; sou animado, movido, comovido pelo que vejo, e esse pôr-se em movimento é por uma busca de alguma coisa outra. [GIUSSANI, 2009, p.169]”
A postura original do ser humano é de uma abertura. Sim, uma abertura para a realidade, uma abertura para receber e responder razoável e coerentemente às provocações feitas pela realidade. O ímpeto original da estrutura humana é se deixar comover pelas maravilhas que observa à sua volta. O movimento natural do ser é a doação de si mesmo, num empenho total com a própria vida e com a realidade que lhe cerca, e esperar que de algum modo isso frutifique.
Contudo, nem sempre é fácil esperar e aceitar a realidade tal qual ela se apresenta. Muitas e muitas vezes, nos percebemos envoltos no desejo de controlar o presente e o futuro, de negar o passado, negar nossos desejos e anseios, de negligenciar a nossa própria espera.
De fato, só podemos esperar na medida em que fundamentamos nossa espera nas experiências passadas e nos sinais presentes que reconhecemos aqui e agora. Só assim o futuro, o instante seguinte, não nos assombra ou atemoriza, pois encontramos no presente evidências que solidificam e fortalecem a possibilidade de certeza no futuro.
Ao nos empenhamos com a realidade, ao nos dedicamos a conhecê-la e a verificar o que ali diz respeito a nós, podemos então escolher aderir e responder à realidade. E só na medida em que nos relacionamos com a realidade, por compreender que existe algo ali para cada um de nós, é que podemos esperar, pois colhemos os sinais que nos apontam o caminho a seguir. É somente no relacionamento com a realidade que a espera se torna frutífera, pois está fundamentada no conhecimento que possuímos a respeito do solo onde depositamos e cultivamos as sementes da espera. E é por conhecer este solo que somos capazes de semear, esperar e aceitar que ele frutifique do modo como tiver que frutificar aquilo que plantamos.
Mas não basta conhecer o solo, é preciso também conhecer as sementes que escolhemos plantar. Porque assim saberemos que se plantarmos sementes de maçã, não devemos esperar que nasçam pés de uva.
O mais incrível, contudo, é que conhecer as sementes e o solo em que as que plantamos, não limita a gama de possibilidades e de surpresas que podem advir desta semeadura. Porque ainda que dominemos o conhecimento a respeito da realidade dos campos e das sementes cultivadas, ainda assim podemos nos surpreender pela quantidade, qualidade e potência da germinação e do crescimento. Ainda podemos nos maravilhar com as cores, formas, tamanhos e sabores incontáveis de cada fruto. Porque na espera, tudo se torna ocasião para maravilhamento, ficar maravilhado com as coisas. E o maravilhar se encontra também contido na possibilidade de compreender que embora tenhamos cultivado, não fomos nós que fizemos brotar e germinar e crescer e frutificar, mas, de algum modo, tudo isso aconteceu porque estávamos ali, esperando, para ver o que iria acontecer. E então, de algum modo, tudo isso é também nosso.
Continua: Uma laboriosa espera – Parte 2
REFERÊNCIA:
GIUSSANI, Luigi. [2009]. O senso religioso. Brasília: Editora Universa.