Ajustando as lentes

Muito tem sido discutido nas últimas semanas a respeito do diagnóstico e “medicalização” de crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade [TDAH]. De um lado, a Associação Brasileira de Psiquiatria se posiciona a favor do diagnóstico e do uso de medicamentos, de outro, o Conselho Federal de Psicologia se posiciona de modo contrário a esta prática.

Em geral, esses são debates de grandes proporções, que envolvem discussões muito amplas são, vez ou outra, preenchidos por perspectivas muito diversas que são difíceis de se casar.  As discussões de ambas as entidades são oportunas por tratarem de temas delicados, por darem luz a situações que carecem de atenção da sociedade. No entanto, muitas vezes o debate se exacerba e perde o enfoque da livre discussão e construção de um conhecimento válido.

Como profissionais da Psicologia, seguimos as resoluções e disciplinas do Conselho Federal de Psicologia e, localmente, pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais. Como essa campanha trata-se de uma campanha e não de uma normatização da prática profissional, achamos oportuno, neste caso, aproveitar o debate e deixar clara nossa posição.

Compreendemos o diagnóstico [psicológico, médico, clínico], a medicação, e – por que não? – a própria psicoterapia, como uma questão de foco. Queremos dizer que para pensar estes assuntos é preciso que antes ajustemos as lentes para focar naquilo que acreditamos ser o mais importante: a pessoa.

Se o foco não é a pessoa, fazemos diagnósticos e incorremos no risco de estigmatizarmos e aprisionarmos as pessoas em rótulos que se tornarão pesos, fardos pelo resto de suas vidas. Quando a pessoa fica em segundo plano, incidimos no risco de indicarmos o uso de medicamentos, quando ele não se faz necessário ou de termos uma idéia fantasiosa da eficácia da medicação.

O mesmo vale para o oposto, se o foco não é a pessoa, não recomendarmos o uso da medicação, quando ela pode ser fundamental para o tratamento de nossos pacientes/clientes. Sem considerarmos a pessoa como um ser digno de respeito e adequada atenção, nos tornamos psicoterapeutas alienados, fazemos intervenções inapropriadas e acabamos por machucar e escancarar feridas que precisavam de ajuda no processo de cicatrização.

Brightness - Extraído de stockvault - User: Dasha

Devemos nos ater aos nossos pacientes/clientes, devemos manter nossa preocupação voltada a auxiliar que estas pessoas recebam o melhor atendimento possível, e tenham acesso ao que há de mais eficaz para que tenham, de fato, qualidade de vida.

Na medida em que ajustamos o foco das nossas lentes, e direcionamos o nosso olhar e nossas ações para cuidarmos da pessoa que se encontra diante de nós, temos condições de compreender quando fazer um diagnóstico, indicar medicação ou conduzir determinada modalidade psicoterápica pode contribuir, ou não, para o bem estar dos nossos pacientes/clientes. Naturalmente, a área da saúde exige um trabalho árduo, contínuo, rotineiro. E muito debate. Mas para nós, todo esse trabalho só ganha sentido se está voltado para a pessoa. Ela é destinatário do nosso esforço.

Tendo a pessoa como foco real da nossa prática profissional, temos condições de pensar que um diagnóstico pode ser a oportunidade de que nossos pacientes/clientes recebam o tratamento e acompanhamento adequados às suas necessidades. Se a pessoa é nossa principal preocupação, sabemos reconhecer quando uma medicação apropriada colabora para o tratamento dos nossos pacientes/clientes. Quando reconhecemos que todas as pessoas são dignas de cuidado e respeito podemos conduzir uma psicoterapia, e só então,  de modo a sermos companhia aos nossos pacientes/clientes nos passos dados na longa caminhada da vida.

Por isso, a questão não é ser a favor ou contra o diagnóstico, a medicalização ou a psicoterapia. O ponto é sermos a favor do respeito e cuidado às pessoas, simplesmente porque são pessoas. O ponto é lembrarmos que o nosso trabalho se destina a pessoas que nos procuram porque se encontram de algum modo fragilizadas e merecem ser tratadas com consideração. O ponto é trabalharmos para que nossos pacientes/clientes obtenham acesso àquilo que de fato pode contribuir para que vivam com qualidade e dignidade.