Relacionar-se com o tempo decerto é uma das “atividades” mais complicadas para o ser humano. É um tema que carrega muitas e muitas discussões. Vamos, pequeninamente, tomar uma, particular.
Fácil é perceber que volta e meia estamos envolvidos numa situação que se arrasta há tempos, mantendo os mesmos pensamentos que formamos no passado e deixando de perceber que muita coisa já aconteceu de lá para cá. Assim vivemos muitas vezes atrelados a eventos, pensamentos, racionalizações do passado, um tempo que veio e tomou o lugar.
De maneira semelhante, nalgumas ocasiões, temos a impressão de que o futuro desejado é a única forma de existência que torna possível suportar uma situação atual e presente. Dessa forma, ao invés de olhar para eventos atuais, para situações reais e que estão acontecendo nesse instante, mantemos nossa cabeça num espaço longínquo e irreal, embora bastante cobiçado. E assim atrelamos nossa vida a um futuro que possui grandes chances de nunca acontecer.
Na prática da psicologia, é comum encontrarmos pessoas nessa situação. Na Avaliação Psicológica, na Orientação Profissional, na Terapia, e outros lugares, vemos pessoas que partilham dessa situação difícil de lidar com o que é presente, e conseguir dar espaço ao futuro que está por vir, mantendo o passado no lugar devido. Não é privilégio dos pacientes, é algo a que todos nós estamos suscetíveis. O problema é quando essa limitação assume um caráter invasivo e faz com que a pessoa passe a se isolar e perder o controle sobre sua vida. Ela deixa de investir no presente por conta de crenças, expectativas, sonhos, fantasias e tudo mais, que fazem parte da nossa vida, mas não podem definir o que é vida, não podem limitar-nos no viver.
Olhar para a realidade é um ponto decisivo da vivência humana, ou seja, para uma vida saudável [retomando conceitos de uma saúde ampla] é preciso que o que se vive presentemente seja olhado de frente. Pois é com isso que se caminha para o futuro e é somente se dedicando a esse presente que o passado é constituído salutarmente, pois brotou de um instante no qual houve dedicação.
Com certeza, diante da dor é difícil manter os olhos abertos. Muitas dores pedem para que deixemos de olhar por alguns instantes e nos refugiemos em outros lugares. Isso faz parte. Mas somente é proveitoso se nos permite, em seguida, voltar a abrir os olhos. Porque não adianta fugir de nós mesmos, uma vez que é em nós que está a dor, mas também a maior riqueza, a riqueza da existência.
Antes de concluir, é importante, é imperativo, lembrar que é da nossa dinâmica olhar o presente, o passado e o futuro ao mesmo tempo, que tentar distingui-los com um corte profundo pode ser perigosamente perigoso. Tampouco desejamos tirar o horizonte dos ideais, dos sonhos, ao salientar a importância de se dar conta da realidade presente ou ainda de desmerecer uma história, como se ela não fizesse parte de nós. Não é a isso que chamamos a atenção. Queremos chamar a atenção para a necessidade de com tudo o que temos seguir caminhando no presente, existindo no presente, sem se ater somente ao passado ou esperar passivamente o futuro.
Vamos, para finalizar então, pedir ajuda a Eduardo Galeano para que nos convoque a olhar para os vários desejos reais que temos e entendamos o papel das utopias – dos ideais – que muitas vezes estão a espera da nossa mão para se concretizar no hoje.